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Uma professora reformada explica como escrever num diário todas as noites a ajudou a recuperar do esgotamento e da insónia.

Idosa a escrever num caderno, sentada a uma mesa iluminada por um candeeiro, com chá e óculos ao lado.

Anos de canetas vermelhas, campainhas a tocar e planos de aulas feitos noite dentro tinham-lhe deixado os nervos em frangalhos. O burnout e a insónia entrelaçavam-se como hera, trepando por todos os cantos das suas noites. Professora reformada, encontrou alívio não em comprimidos ou numa rotina perfeita, mas numa caneta. Todas as noites, depois da louça, sentava-se a escrever. As páginas acalmavam-na. As páginas permitiam-lhe dormir. As páginas devolveram-lhe a vida.

O candeeiro lança um pequeno círculo dourado sobre a mesa da cozinha da Margaret. São 21h30, aquele espaço entre as notícias tardias e os primeiros bocejos, e ela abre um caderno azul, já inchado de tinta. Lá fora, um autocarro suspira na esquina e parte. Cá dentro, a casa está silenciosa, com aquela ternura que pode transformar-se em solidão ou paz, dependendo do que se faz com ela.

Folheia até uma página limpa, destapa a caneta e espera. Não pela inspiração; para o ruído acalmar. O cão, meio adormecido, aprova do tapete. Margaret escreve o que não consegue dizer em voz alta: as preocupações emaranhadas, a raiva que ficou, as pequenas vitórias que teria perdido se ninguém perguntasse. Continua até os ombros relaxarem um centímetro. Às vezes dois. Depois, acontece algo inesperado.

A noite em que trocou o doomscrolling por uma caneta

Margaret deu aulas de Inglês durante 34 anos. Corrigia pilhas de composições como um pianista lê uma partitura nova—segura, precisa, sem movimentos desperdiçados. Quando se reformou, o ritmo parou. A mente não. Sem o horário das campainhas, as preocupações não tinham onde ficar. Os pensamentos agitavam-se precisamente quando ela queria silêncio, revisitando conflitos antigos, novas dores e aquele velho ciclo dos professores: Terá ficado algo por fazer? Terei falhado a alguém?

Num serão de fevereiro, depois de mais uma noite a olhar para o teto até às duas da manhã, pôs o telemóvel no corredor e abriu um caderno. Escreveu exatamente o que a incomodava, em frases que não eram bonitas nem tentavam ser. Dez minutos depois, escreveu o que tinha realmente acontecido naquele dia—sem exagero, sem catástrofes. Depois, fez uma lista de três pequenas coisas que podia fazer no dia seguinte, se se sentisse em baixo. Na terceira semana, reparou que adormecia antes da previsão do tempo. Na sexta, a média eram sete horas de sono. Não era perfeito. Mas era melhor.

Há algo no ato de escrever que obriga a mente a escolher uma direção. Pensamentos que correm em círculos passam a viajar em linhas quando são obrigados a sair por uma caneta. A neurociência tem algumas teorias, desde aliviar a memória de trabalho a processar emoções, e a investigação sobre escrita expressiva confirma-o. Nomes como Pennebaker aparecem nas pesquisas do Google, e aqueles resultados de Baylor sobre listas de tarefas antes de dormir tornam-se populares. A Margaret não se importa com as citações. Interessa-lhe aquilo que sente no pulso às 22h15, hoje em dia.

O ritual de 20 minutos que lhe devolveu as noites

Ela chama-lhe “Escrever, depois descansar.” Não tem nada de sofisticado. Quinze a vinte minutos, três partes, uma página se possível. Primeiro, A Descarga: tudo o que é alto, mesquinho, verdadeiro ou não, despejado sem filtrar. Segundo, O Dia: cinco tópicos do que realmente aconteceu, ancorando a história em factos. Terceiro, O Próximo Suave: um a três pequenos gestos para amanhã—mandar email à L., dobrar roupa, ir à caixa do correio. Nada heróico. Páginas pequenas. Grande suspiro de alívio.

Senta-se sempre na mesma cadeira. A mesma caneca de camomila. O caderno fica onde o telefone costumava dormir. O ritual ajuda, não por magia, mas como sinal ao sistema nervoso de que não há perigo na agenda. Não procura genialidade. Procura sentir o corpo relaxar. Se a mente tenta negociar—talvez só uma vista de olhos ao telemóvel—ela responde com uma linha no papel: “Vou sentir-me melhor se escrever.” E na maioria das noites, sente mesmo. Para sermos honestos: ninguém faz isto todos os dias.

Todos já tivemos aquele momento em que o cérebro se recusa a desligar e o quarto fica mais barulhento às escuras. A Margaret aprendeu a responder-lhe, com gentileza.

“Escrevo até o ruído ganhar forma”, disse-me ela. “Quando tem forma, posso pô-lo numa prateleira e ir para a cama.”

Mantém uma pequena “prateleira do sono” na cabeça—imagina o caderno ali pousado, a segurar o que está desarrumado por ela. Para quem quiser experimentar, aqui está o esqueleto exato que ela usa:

  • 2–5 minutos: A Descarga (preocupações sem filtro)
  • 5–8 minutos: O Dia (cinco tópicos factuais)
  • 3–5 minutos: O Próximo Suave (um a três pequenos passos)
  • Opcional: uma linha de gratidão genuína, não forçada

Porque funciona quando se está esgotado e de rastos

O burnout muda a forma como se lê a própria vida. Para a Margaret, cada lembrete—emails, recados, até gestos de bondade—parecia uma exigência. À noite, tudo se ampliava. Escrever quebrou o ciclo ao permitir-lhe nomear o que era real, não o que se temia. Não corrigia o passado. Encolhia o monstro debaixo da cama até ao tamanho de uma frase que podia terminar com um ponto final.

Depois, há o corpo. Ao acabar de escrever, senta-se dois minutos com os pés no soalho, sentindo o frio das lajes. Presta atenção à respiração sem tentar controlá-la. A ciência do sono chamaria a isto desacelerar, ativação parassimpática, todos esses termos precisos. Ela chama-lhe voltar a preparar-se para ser mamífera. O cão aprova.

Até a forma como termina importa. Fecha o caderno e diz em voz alta: “Guardado.” Esse é o sinal: as preocupações estão contidas num lugar a que pode voltar amanhã. Nalgumas noites acrescenta uma linha—“Nada urgente.” Nos dias difíceis, regressa a um pequeno exercício: O que magoou hoje? O que ajudou? O objetivo não é positividade. É clareza. A clareza acalma.

O que aprendeu—e o que pode roubar para as suas noites

Comece pequeno: uma página, três partes, à mesma hora se possível. Encontre uma caneta que deslize e um caderno que abra bem. Escreva de propósito de forma desarrumada. Se bloquear, comece por: “Neste momento, noto…” Depois, liste cinco texturas, sons ou cheiros do quarto. Quando a mente argumentar que isto é parvo, responda com tinta. Um minuto é melhor que zero. Duas noites por semana já é vitória.

Os enredos comuns aparecem sempre. Pessoas tentam transformar o diário num espetáculo, depois evitam-no por parecer trabalho de casa de Português. Outros esperam grandes transformações, para depois se julgarem quando a manhã seguinte é igual às outras. Deixe cair o papel de artista. Esqueça o grandioso. É no ordinário que o sistema nervoso reaprende a confiar. Se falhar uma noite, escreva: “Falhei uma noite” e siga em frente. Não há polícia das canetas.

Margaret é gentil com aquilo que consegue.

“O milagre não foi dormir perfeito,” disse. “Foi saber que tinha uma maneira de enfrentar a noite.”

Mantém um pequeno cartão dentro do caderno como bússola. Diz o que precisava quando se sentia mais esgotada:

  • Uma página, não dez.
  • Factos antes dos medos.
  • O amanhã leva três pedrinhas, não pedras enormes.
  • A gratidão pode ser minúscula: uma pêra madura conta.
  • Luzes apagadas a uma hora decente. Não heróico. Só decente.

Do modo de sobrevivência para um serão mais macio

O burnout roubou-lhe o sabor de viver. Os diários não lho devolveram de uma só vez. Foram fazendo espaço para o sabor voltar devagar. Algumas noites, a página recebia raiva; noutras, recolhia um lampejo de alegria, como um email de um aluno a agradecer por um empurrão difícil em 2009. Com o tempo, “Não consigo dormir” tornou-se “Consigo descansar,” e por vezes “Consigo sorrir no escuro.” Ainda tem más noites. A diferença é que já não se sente refém delas. Ter agência é como ter uma luz acesa no corredor.

Ponto-chaveDetalheInteresse para o leitor
Diário noturno de 20 minutosTrês partes: Descarga, Dia, Próximo SuaveUm guião claro quando a mente está barulhenta
Sinais de ritualMesma cadeira, bebida quente, telemóvel fora de alcanceTransição mais rápida para modo de descanso
Medir o “cair dos ombros”, não as páginasParar quando sente o corpo relaxar, mesmo que meia páginaFocar no impacto sentido, não na perfeição

Perguntas frequentes :

  • Quanto tempo devo escrever à noite?Quinze a vinte minutos chega, e até cinco já ajuda. Pare quando os ombros relaxarem.
  • E se escrever me deixar mais desperto?Mude para tópicos e termine com um sinal simples, tipo “Guardado.” Mantenha o tom factual, não poético.
  • Preciso de sugestões?Não, mas duas fiáveis são “Agora, noto…” e “O que doeu, o que ajudou?” Use-as quando se sentir bloqueado.
  • Isto pode substituir terapia ou medicação?É uma ferramenta, não cura tudo. Considere-se uma prática diária que apoia outros cuidados que escolha.
  • O que faço se detestar escrever?Experimente notas de voz para transcrever depois, ou desenhe caixas e setas. O objetivo é dar um recipiente aos pensamentos.

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