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Porque é que a Rússia se desfaz do seu último porta-aviões, o Admiral Kuznetsov? Especialistas revelam a verdade embaraçosa.

Dois homens observam navio militar cinza atracado, enquanto trabalhadores com coletes laranja preparam amarras.

O único porta-aviões da Rússia, o Admiral Kuznetsov, passou mais tempo sob lonas e andaimes do que no mar. Após anos de atrasos, incêndios e custos a disparar, Moscovo enfrenta uma escolha crua: continuar a deitar dinheiro num símbolo—ou libertar-se de uma relíquia que já não consegue combater as guerras que a Rússia realmente trava.

Uma carcaça cinzenta meio engolida por gruas, tinta estalada, convés marcado, equipas a moverem-se naquele ritmo lento de inverno. Um rebocador aguardava por perto como um velho cão fiel que sabe que pode ser chamado a qualquer momento. Alguém riu, curto e seco, quando uma folha de lona estalou ao vento. O cheiro a óleo combustível pairava no ar, teimoso como a memória. Mais parecia um vício difícil de largar do que um navio de guerra. Para lá do gelo, uma gaivota deslizava no vento, sem se preocupar em olhar para baixo. Observávamos o porta-aviões e, de certa forma, o porta-aviões também nos observava. O navio parecia cansado. O mito também.

De navio-almirante a piada: como o “Almirante” perdeu o respeito

Durante anos, o Admiral Kuznetsov representou a ambição russa de águas profundas. Depois começaram os vídeos. Fumo preto a arrastar-se como uma bandeira de outra era. As equipas do convés a lutar com cabos mais irascíveis que o mar. Um navio escoltado por um rebocador de salvamento numa chamada “missão de combate”—o meme criava-se sozinho. Os símbolos morrem assim: devagar ao início, depois de repente.

A missão na Síria em 2016 devia ter sido uma festa de apresentação. Perderam-se dois aviões de combate: um devido a um cabo de paragem partido e outro por um resgate falhado. Pouco depois, uma grua de 70 toneladas fez um buraco no convés quando a doca flutuante afundou durante a noite. Depois vieram os incêndios. As estatísticas contam uma história fria: anos em montagem; prazos que se perdem; orçamentos que crescem em silêncio, depois de forma estrondosa. O navio não envelheceu apenas; tornou-se um calendário de azares.

Tirando o romantismo, a lógica torna-se brutal. Os porta-aviões são cidades no mar que consomem dinheiro e tempo em quantidades industriais, e as guerras modernas da Rússia recompensam outros investimentos: submarinos, mísseis, drones, negação costeira. Sanções atingem estaleiros e cadeias de fornecimento. As competências da tripulação enferrujam quando o convés fica parado. A certa altura, um navio-almirante torna-se um peso que devora a própria força que deveria liderar. Não é escândalo. É aritmética.

Por que abandonar pode fazer mais sentido do que mais uma modernização

Se Moscovo optar por se desfazer do Kuznetsov, o método não será cinematográfico. Há papelada, cortes de maçarico, realocações. Uma opção é “mothball e canibalizar”, transformando o navio num banco de peças para outros combatentes de superfície. Outra é o desmantelamento faseado sob vigilância apertada, vendendo a decisão como pragmatismo e redirecionamento para submarinos e mísseis de longo alcance. Há uma terceira via, meio sentimental: manter um convés de treino ou um casco-museu, um local para pendurar medalhas e tirar fotografias, enquanto os verdadeiros trunfos da frota se afiam noutro lado.

Eis a lição dura: os projetos de prestígio curvam orçamentos, depois ditam estratégias por inércia. Todos já vimos o momento em que o orgulho deixa de compensar. A tentação é apostar numa última modernização, mais um teste, mais uma prova de mar para confirmar as antigas histórias. Sejamos honestos: ninguém faz isso todos os dias. A guerra no mar passou para sensores, assinaturas e enxames, e um porta-aviões antigo é ruidoso nas piores formas. Cortá-lo não é fraqueza. É lucidez.

Há também o fator humano, e dói. Pilotos treinados para operações embarcadas merecem um convés; operários de estaleiro merecem propósito; marinheiros merecem uma missão funcional.

“Isto é o que parece a humilhação no mar: um navio-almirante que não navega sem alguém lhe pegar pela mão.”

A escolha não é entre glória e vergonha. É entre custos afundados e vitórias futuras.

  • Dois caças perdidos ao largo da Síria gravaram a dúvida no aço.
  • Uma doca flutuante afundada e uma grua caída marcaram o convés e a agenda.
  • Incêndios, atrasos e sanções elevaram a manutenção a mitologia.
  • As novas guerras recompensam submarinos, mísseis e drones, não conveses fumegantes.
  • Cada rublo poupado aqui compra capacidade real noutro lado.

Para lá do Kuznetsov: o que o fim de uma era pode desbloquear

Se a Rússia se despede do Almirante, a história não termina; muda de género. O dinheiro e o talento podem fluir para a frota que a Rússia de facto usa: submarinos silenciosos no Atlântico Norte, baterias costeiras móveis, mísseis antinavio que encurtam oceanos a campos de tiro. A doutrina seguiria o dinheiro, apostando na negação de mar e ataques de precisão em vez de perseguir um estatuto oceânico insustentável. Uma viragem sóbria pode parecer derrota no primeiro dia e sabedoria no milésimo. É preciso coragem para virar costas, ainda mais para explicar porquê.

Ponto-chaveDetalheInteresse para o leitor
Espiral de custosAnos de atrasos, incêndios e perdas de infraestruturas transformaram a modernização num poço sem fundoCompreenda por que “é só terminar” continua a falhar
Lacuna de capacidadeO grupo aéreo degradado; limitações do sistema STOBAR; perfil ruidoso e vulnerávelVeja como as ameaças modernas superaram as plataformas antigas
Mudança estratégicaRecursos transferidos para submarinos, mísseis, drones e negação costeiraAntecipe onde o real poder naval russo pode crescer

Perguntas Frequentes:

A Rússia vai mesmo abater o Admiral Kuznetsov? Oficialmente, há muito que se diz “vai regressar ao serviço”. A cada atraso e incidente, cresce o argumento para a retirada; por isso os analistas consideram a hipótese realista.
Porquê é tão difícil reparar o navio? Danos acumulados (perda da doca, incêndios), caldeiras obsoletas, sistemas datados e sanções sobre peças e serviços transformaram a modernização numa autêntica odisseia.
Os porta-aviões ainda importam? Para projeção de poder sobre adversários mais fracos, sim. Nas guerras e orçamentos atuais da Rússia, um único porta-aviões velho oferece pouco que mísseis e submarinos não façam de forma mais barata e furtiva.
A Rússia poderia construir um novo porta-aviões? Em teoria. Na prática, a base industrial, o dinheiro e o tempo necessários tornam a construção de raiz irrealista no curto prazo.
O que acontece à tripulação e pilotos? Os pilotos podem transitar para regimentos terrestres ou unidades de teste; marinheiros e engenheiros serão integrados noutros navios de superfície, submarinos ou comandos de terra, onde ainda têm utilidade.

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