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Esta gruta perto de Paris pode conter o mapa 3D mais antigo do mundo, com cerca de 45.000 anos.

Entrada de uma gruta com chão de pedra irregular e vista para uma floresta verde ao fundo.

A sul de Paris, um pequeno abrigo rochoso chamado Ségognole 3 gerou uma interpretação ousada das intenções pré-históricas. Investigadores afirmam que o solo esculpido do abrigo constitui um modelo vivo da paisagem, animado pela água e carregado de significado.

Uma paisagem esculpida que se move com a chuva

Cientistas franceses relatam que caçadores-recoletores moldaram o arenito do abrigo em canais, bacias e depressões rasas. Estes elementos direcionam o escoamento da superfície. As linhas do fluxo imitam a disposição dos rios, afluentes e colinas baixas da região. Durante as tempestades, a água percorre rotas que os gravadores parecem ter planeado.

Um chão esculpido que guia a chuva como uma rede de rios funciona como um terreno em miniatura que se pode observar em movimento.

A equipa data as gravações do Paleolítico Superior, um período entre 45.000 e 12.000 anos antes do presente. Esse intervalo abrange fases cruciais da vida humana moderna na Europa. Também coincide com períodos de instabilidade climática, em que compreender a água e os acessos era fundamental.

Onde e quando

Ségognole 3 situa-se num maciço arenítico a sul de Paris. A rocha permite incisões nítidas e resiste à humidade sazonal. O abrigo mantém-se suficientemente seco para trabalho, mas húmido o bastante para visíveis experiências de escoamento. O contexto apoia visitas repetidas por grupos móveis que conheciam bem a área.

SítioAbrigo rochoso Ségognole 3, maciço arenítico a sul de Paris
PeríodoPaleolítico Superior (ca. 45.000–12.000 anos antes do presente)
Características-chaveCanais gravados, bacias, depressões; caminhos para escoamento de água
InvestigaçãoLiderada por Médard Thiry e Anthony Milnes
PublicaçãoOxford Journal of Archaeology (2024)
AfirmaçãoModelo físico 3D da hidrologia e relevo circundantes, possivelmente o mais antigo do género

Para que terá servido

O chão esculpido terá funcionado a vários níveis ao mesmo tempo. Geria infiltrações dentro do abrigo. Também funcionava como ferramenta pedagógica e auxílio de memória. As pessoas podiam deitar água e observar o comportamento de uma paisagem reduzida.

  • Planeamento: simular pontos de travessia, percursos de perseguição e estrangulamentos para caça.
  • Aprendizagem: mostrar aos mais inexperientes onde os ribeiros se separam, unem, acumulam ou secam.
  • Sinalização: formalizar o conhecimento do lugar que unia o grupo.
  • Ritual: integrar o ciclo da água em gestos, histórias e ações sazonais.
  • Segurança: mapear caminhos alternativos durante cheias ou degelos.

Cartografia antes de haver mapas

O modelo sugere um forte pensamento espacial. Transforma o terreno numa superfície manipulável e à escala. Esse ato requer abstração, proporção e sentido de causa-efeito. O resultado é mais do que decoração. É uma interface para raciocinar sobre uma paisagem viva.

Achados comparativos na Ucrânia e na Península Ibérica indicam impulsos semelhantes. Esses artefactos sugerem planos esquemáticos e contornos de rios. Ségognole destaca-se porque a água transforma as linhas num modelo funcional.

Um abrigo engenhado

Os gravadores não esculpiram ao acaso. Abriram sulcos onde se formavam pinga-pingas. Aprofundaram cavidades para reter pequenas poças. Alinharam caminhos para desviar o fluxo das áreas de dormir e trabalhar. Reproduziram ainda elementos da bacia exterior, criando uma miniatura consistente.

Utilidade e significado provavelmente coexistiram no mesmo chão de pedra, reforçando-se mutuamente.

Como os investigadores defendem a tese

O estudo regista a microtopografia com medições rigorosas. Os autores descrevem canais e bacias ligados em sequência. Observações de campo em dias de chuva mostram a água a seguir rapidamente as incisões. O padrão do fluxo assemelha-se à rede hidrográfica envolvente. A correspondência reforça a leitura do chão como mapa 3D.

Os autores sublinham tanto a função como o símbolo. As mesmas feições que drenam o abrigo também encenam um modelo. Essa dualidade adequa-se às necessidades diárias de grupos móveis. E enquadra-se em práticas de transmissão de conhecimento complexo sem escrita.

Porque é isto importante para a mente humana

Os humanos do Paleolítico Superior caçavam grandes animais, dominavam o fogo e deslocavam-se sazonalmente. Um mapa funcional acrescenta outra competência: o planeamento no espaço e no tempo. O modelo de Ségognole sugere ensino em grupo, projetos partilhados e papéis para especialistas em pedra e água.

Dispositivos assim tornam “mapas mentais” em ferramentas públicas. Permitem que vários apontem, discutam e cheguem a acordo. Diminuem também o risco. Bastam alguns minutos a deitar água para treinar a caminhada de um dia, a condução de animais ou o percurso de uma cheia que poderia isolar o acampamento.

Perguntas por responder

Quão precisa é a datação da gravação naquele longo período do Paleolítico Superior? Que eventos ou estações motivaram o uso? Leituras alternativas poderão servir para as mesmas feições? Estudos futuros podem afinar respostas com micromorfologia, análise de desgaste e datação de sedimentos presos nos sulcos. Testes com traçadores podem quantificar como a água circula no modelo em diferentes tempestades. Prospeções na região podem revelar outros pisos esculpidos que prolonguem o padrão.

O que observar a seguir

Se surgirem mais sítios, os investigadores podem mapear como o conhecimento circulava. As variantes poderão refletir rios locais, tipos de rocha ou tradições de grupo. Uma rede destes modelos revelaria ideias partilhadas sobre água, risco e mobilidade na Europa do final da Idade do Gelo.

Ideias-chave a reter

  • Mapa cognitivo: representação interna do espaço que orienta decisões e memória.
  • Geomorfologia: estudo das formas do relevo e dos processos que as moldam.
  • Hidrologia: como a água circula, se acumula e erode na paisagem.
  • Affordance: como uma superfície convida a certas ações, como verter, traçar ou ensinar.

Experimente uma simulação simples em casa ou na sala de aula

Encha um tabuleiro raso com areia húmida e molde pequenas cristas e canais. Coloque um “planalto” elevado numa extremidade e uma “bacia” na outra. Deite água de uma garrafa e observe dividir-se, juntar-se e abrir caminhos. Adicione seixos para criar confluências. Marque linhas de fluxo com corante alimentar. Este exercício mostra como um pequeno relevo pode explicar uma grande área. Demonstra também porque pequenas incisões e bacias são importantes para desviar água de zonas habitáveis.

Modelos físicos têm vantagens que mapas planos não oferecem. Transmitem o declive à primeira vista. Facilitam discussões em grupo. Funcionam sem texto. E têm boa escala: um modelo do tamanho de um pão pode representar o raio de deslocação de um dia. Assim, são ideais para conhecimento que deve transmitir-se rapidamente, fixar-se na memória e orientar a ação sob pressão.

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